Nesta quarentena ou confinamento, apercebi-me de que a minha avó sempre viveu em quarentena, confinado ao espaço do lar. Ora vejamos… A minha avó raramente vinha à cidade, sim, porque antigamente a Choupana não era a cidade, a cidade era só a partir do Campo da Barca para baixo.
Ora vou explicar-lhes como era a quarentena da minha avó. Ela bordava, limpava a casa, fazia as respetivas refeições, engomava, lavava a roupa, não havia, nem em projeto, máquina de lavar roupa, metia a roupa no estendal e cuidava dos filhos e, posteriormente, de mim. À tarde, ouvia na telefonia a música pedida e havia, diariamente, a música do carro preto ou das 24 rosas, são músicas de que nunca me vou esquecer.
A quarentena era mais ou menos quebrada quando falava com as irmãs ou os vizinhos, uma bilhardice na beira do terreiro, mas, muitas vezes, era dentro do próprio quintal, junto à casa, logo havia a distância de segurança. Mas mesmo essas vizinhas e irmãs também viviam na quarentena do que então se dizia, na escola, mãe, doméstica.
A vida que a minha avó levava era de uma quarentena permanente, era impossível haver qualquer vírus. As compras eram feitas na venda abaixo de casa, a que mandava algum dos filhos ir comprar, com tudo escrito ou no vale ou no rol, ou trazia o Sr. Gilberto, uma espécie de Glovo da época, na sua cesta a subir o caminho do Meio, muito íngreme.
Ela só vinha à cidade, em situações inadiáveis, como fazer o Bilhete de Identidade, tratar de algum assunto na Caixa, nome abreviado da Previdência, ou ir a uma consulta.
Já o meu avô trabalhava numa serragem e, obrigatoriamente, tinha de vir para a cidade, mas, quando chegava a casa, vestia a roupa de casa e ia para a fazenda, cavar, semear, plantar ou fazer o que quer que fosse. Até regar, apesar dessa rega ser, muitas vezes, de madrugada, pois era quando “tinha” a água.
Na altura, não existiam redes sociais, só tínhamos uma televisão e imaginem só, só dava RTP-Madeira. Já no sou tempo em só havia a TVE, via Canárias. Isto sim, era viver em isolamento e era um isolamento, não obrigatório, mas necessário.
Não via ninguém se queixar. Era assim a vida da mulher confinada ao lar.
Post Scriptum: felizmente que esse isolamento acabou. Mas hoje, respeitemos a quarentena para o bem de todos.
Publicado no JM-Madeira - Siga Freitas
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