Os contos de Natal costumam ser povoados de crianças, avós, o Pai Natal e outras criaturas fantásticas e são ainda tocados pela magia desta quadra. E como todos os contos tradicionais costumam começar assim…
Era uma vez, uma menina chamada Amal Hussain*, uma menina de sete anos, que sonhava ser grande, que sonhava em deter as guerras, que sonhava, enfim, viver num mundo a que todos as crianças devem aceder. O que ela sonhava, sem o saber, era com o Natal, pois sonhava com a paz, o direito à infância e ao lar onde houvesse esse calor humano que traz a família, sonhava com o direito a ser menina e brincar com esse Menino que no-lo o trouxe, o Menino que o profeta da sua terra incluiu no livro Sagrado da religião que o seu nome, Amal Hussain, indicia.
Sonhava então com um amanhã em que os meninos festejassem um Natal com esse nome ou outro, nessa data ou noutra, enfim, com uma nova Jerusalém em que todas as religiões se irmanassem numa Festa universal, ecuménica, sem os “ismos” religiosos que possam dividir, mas com o Amor que almeja unir.
Os raros brinquedos que teve foram só para acariciar com medo, com desespero, com um grito de súplica de amor em momentos de bombas… Ela não sabia, mas aguardava… Uma esperança… Esta não é uma história imaginada de Natal, é uma história real, uma história de uma menina chamada Amal que significa esperança e que nunca teve oportunidade de ter esperança na sua vida, muito menos alimentos. Amal Hussain foi uma menina que morreu num campo de refugiados no Iémen, numa crise provocada por embustes, como são todas as guerras.
Pronto… se calhar é melhor outro conto de Natal…
Era uma vez, na terra por onde Jesus passeou e evangelizou, uma menina de 12 anos. Rahaf Yousef nasceu na Síria, vive na Jordânia e hoje, quando escrevo, ontem, no momento da leitura, casou-se. Isto para uma mulher poderia e seria o dia mais feliz da sua vida, para Rahaf foi um dia em que ia vestida como uma princesa, mas não sabia o que lhe ia acontecer. Um homem mau, sem escrúpulos comprou-a e aproveitou-se da família que passa necessidades, pois é uma família refugiada, mas só a quer usar, pois ele, como fundamentalista, não sabe o que significa casar, simplesmente fingir e aí violentar a Rahaf, até porque casou a fingir. O desejo de Rahaf era brincar no parque infantil, e essa oportunidade está perdida. Ela queria crescer, queria poder regressar ao seu país sem guerra, queria viver como todas as meninas da sua idade…
Era uma vez, um senhor com 82 anos, o Sr. Manuel Nascimento, trabalhou ao longo da sua vida toda, conseguiu, humildemente, construir a sua casa para a sua família. Um dia, alguém, maldosamente, provocou um incêndio na floresta e o incêndio num outubro qualquer incendiou tudo, até a sua casa. Os governantes dessa terra, quiseram todos aparecer nas fotos, acotovelavam-se para ver quem tirava a melhor selfie, seja a limpar, seja a plantar, seja a reconfortar as vítimas dessa tragédia. A sua casa podia ser a casa do Pai Natal e o mesmo ficar sem a fábrica de brinquedos para continuar todos os Natais, todos os anos… Um desses governantes prometeu que, em dois meses, a sua casa estaria pronta, ainda a tempo do Natal. O Sr. Manuel, em lágrimas, acreditou, mas a sua esperança foi corrompida, porque corruptos que tudo secaram se aproveitaram das vítimas para enriquecerem a si e aos seus amigalhaços. Manuel, a quem tudo foi prometido, nada teve e faleceu sem ver a casa da sua vida passando mais de um ano e alguns meses. Mas deixou um último desejo ao seu filho: “Vai lá à câmara apertar com eles para te darem o que é teu. Eu já estou velho, já não me importo, mas tu, trata da tua vida.”
Estes são símbolos do Mundo, um Mundo em que o Natal não passa de uma quimera, pura e simplesmente não existe. Podia escrever outros contos baseadas em tantas crises, desde Somália, Venezuela, Níger, Mianmar e etc… Um Mundo tão pequeno e ao mesmo tempo tão desigual.
Sou um sonhador, gosto de imaginar a utopia, portanto quero que todas as pessoas consigam ter o Natal que é sinónimo de uma quadra feliz e de esperança perene nessa de chegar a ela. E que um dia, seja capaz de volver um Mundo numa eterna sinfonia de harmonia.
Com este conto multifacetado, ilustro que, enquanto todos nós temos oportunidade de estar junto das nossas famílias nesta bela quadra de Natal, gostava que, pelo menos durante estes segundos que lê este artigo, reflitam na criança Amal, na menina Rahaf e no senhor Manuel, seres a quem roubaram o Natal a que tinha direito.
*Amal Hussain foi capa da New York Times para descrever o horror vivido no Iémen.
Publicado no dia 25 de dezembro de 2018 no JM-Madeira
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