sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Não se pode ir a pé até ao Natal?

Corria o ano de 2004, quando embarquei rumo à Capital do Império, e experimentei o habitual de quem chega a uma cidade nova, além das “coisas, coisinhas e coisitas”, ditas normais, de qualquer caloiro que ingressa na Universidade, desde procurar casa, começar a conhecer a cidade, as festas e tudo o resto que todos deduzimos ou imaginamos… Eis que chega ao fim de semana, quando a maioria dos meus colegas, com exceção dos outros insulares e alguns de Trás-os-Montes, Beira Alta e Baixo Alentejo, todos os restantes iam para casa. E esses outros regressavam à Universidade na segunda-feira, com a mala cheia de roupa lavada e engomada e vários tupperwares com comida suficiente para um mês num deserto em Marrocos. Destaco o privilégio de ter roupa engomada, porque na Faculdade, confesso que muito raramente passava roupa e deixei de usar roupa que necessitasse de ser engomada. Já nós, os que passamos o fim de semana na cidade que nos acolheu, fazíamos a vida diária, sem essas mordomias, é claro que isso obrigou-nos a crescer mais e mais depressa, não tão depressa como antigamente, mas depressa para o ritmo de tartaruga atual.

Uma das coisas que sempre me revoltou foram as viagens aéreas, pois não podia ter o privilégio de ir a casa todos os fins de semana como os meus colegas… Quem não se recorda daquela folhinha da TAP que se tinha que pedir ao balcão e levar à secretária da Faculdade e carimbar? Eu, normalmente, levava umas 20 folhas para que carimbassem todas, (pois eu esquecia-me de algumas em Lisboa e depois não tinha na Madeira e era sempre uma chatice quando não possuía nenhuma, penso que ainda devo ter alguma guardada por aí) e então depois colocava a data de quando viajava. Nesta altura, não me parecia correto que uma viagem custasse quase 180€ para um estudante universitário. Então ainda não havia liberalização e existia o monopólio da TAP. Depois veio a liberalização… Só posso dizer que a liberalização foi muito positiva, pois abrimos a Madeira, via aérea, ao Mundo, mas esta liberalização trouxe diversos problemas. O principal problema foi que, nas épocas altas, como era o Natal, estávamos lixados, as viagens atingiam, como atingem, os 500 € e só recebíamos 60 € e a viagem ficava a 440 €. Mas nas épocas baixas e marcando com alguma antecedência conseguia-se ir a Madeira com um preço acessível. Eu, que após a liberalização, era presidente do Núcleo de Estudantes Social-Democratas de Lisboa, junto com os meus companheiros, promovemos várias iniciativas e uma delas foi entregar uma réplica de um bilhete com 500€ marcado e a explicar as nossas preocupações a todos os deputados da Assembleia da República, surpreendente ou não, poucos foram aqueles que responderam, sendo que eles foram António José Seguro, que penso que entendia as preocupações dos jovens estudantes, pois já tinha sido secretário de estado da juventude, e o outro foi Mota Amaral, que, como insular, sentiu as nossas preocupações. Mas a verdade é que ninguém se atreveu a fazer nada, e continuo a acreditar que só pode ter sido por falta de vontade política de todos os atores políticos.

A verdade é que, há poucos meses, este modelo de devolver 60€ na viagem foi alterado, e agora o atual modelo faz com que a viagem fique a 86€ para residentes e a 65€ para os estudantes. É claro que este modelo não é o melhor do Mundo, pois só abrange viagens até 400€, para viagens ficam os 86€ + o remanescente dos 400€. É claro que, neste modelo, é necessário adiantar o dinheiro total da viagem e só depois conseguir o reembolso após horas intermináveis num balcão dos CTT. Este modelo não abrange viagens corridas, esqueceu-se que muitas vezes para viajarmos para o resto do Mundo, temos que passar pelo continente e essas viagens não contam para o subsídio. Mas consegue-se recuperar grande parte do custo para os voos que terminam no continente. Mas agora os estudantes podem fazer como eu, quando havia o “modelo das folhinhas da TAP” e marcava a viagem de regresso à Madeira 5 minutos depois do exame ter-me corrido bem e sentir que não tinha que ir a recurso.

A questão que falta resolver é que os nossos estudantes não possuem muito dinheiro e adiantar quase 500 € numa viagem é um esforço exagerado para qualquer família madeirense, mesmo da classe média. Não quero orientar ninguém, mas sinto um dever, enquanto madeirense, que seria importante nesta revisão talvez introduzir um método em que o Governo não pagava diretamente ao cidadão, mas sim à companhia aérea. Assim o cidadão já não teria que adiantar o total da viagem. E também acabar com o teto máximo de 400 €, pelo menos, para os estudantes.

A verdade é que a Madeira aproximou-se do restante país, contudo, é claro que se deve reivindicar, faz parte, mas é importante entendermos de onde partimos e não foi de uma viagem de 180 €, foi sim de muito antes…

A questão que gostaria de colocar, é esta: será que no Natal e nas restantes épocas não dá para vir à Madeira a pé? Saía mais barato e até era uma preparação para um Trail qualquer na nossa ilha.

Eu, felizmente, tive oportunidade de vir todos os Natais à minha terra, mas tive colegas que não. Será que esse Natal em que estiveram tão longe fisicamente da família foi infeliz e solitário? Eu optei por poupar e não vir nas Páscoas à Região, e apesar de estar longe da família, tive com pessoas fantásticas, amigos fantásticos, família dos meus amigos e não vejo isso como um tempo triste, antes pelo contrário como dos melhores momentos que tive enquanto estudante… Ser madeirense é isso mesmo, adaptar-se às situações adversas, integrar-se nas comunidades, fazer amigos e sermos um dos povos mais amistosos do Mundo, mas também o mais maldizente e ávido que se possa conhecer… E um dia, talvez seja possível vir a pé à Madeira e aí acabaremos com a polémica do subsídio, ou então todos ganharemos tanto dinheiro que já nem o subsídio será necessário. Viajaremos na metáfora da nossa imaginação ou, quem sabe, do progresso, que evolui em dimensão geométrica. Vamos ver o que nos traz o tempo, como diz aquele provérbio oriental!

Publicado no JM-Madeira

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