O coordenador do meu curso, o professor Mário Forjaz Secca escreveu um texto para o blogue De Rerum Mundi acerca do Acordo Ortográfico.
Pedi ao professor Mário Forjaz Secca, professor de Biofísica na Universidade Nova de Lisboa que se manifestasse sobre o Acordo Ortográfico. O Mário teve no passado uma parte activa na resistência do Grémio Literário ao Acordo Ortográfico, e conhece bem as motivações que o animam.
Há cerca de 20 anos, fiz parte do Movimento Contra o Acordo Ortográfico, organizado através do Grémio Literário. Nesse grupo estavam o Vasco Graça Moura, o Manuel Villaverde Cabral, a Prof. Leonor Buescu, a Prof. Maria Helena Ureña Prieto e o actual Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna José Magalhães, entre outros. Depois de muita "guerra" pensávamos que as coisas tinham ficado de molho.
Muitos anos depois, um grupo de (des)iluminados volta à carga, obviamente por razões que não os interesses de quem fala o português. Interesses esses que na altura eram bem económicos e pouco disfarçados, ligados a grupos editoriais brasileiros, segundo se falava, e apoiados em grande parte por muitos amantes da informática, para os quais ter de escrever com acentos é uma "chatice" e só complica a utilização do computador. É o assustador lema de muitos tecnólogos: somos nós que nos devemos adaptar às máquinas e não as máquinas que se devem adaptar a nós.
Há algumas considerações que gostaria de adicionar aos já muitos argumentos que tenho ouvido:
1. Quem faz a língua são os escritores e não os políticos. São os Fernandos Pessoa, os Mários de Sá Carneiro, os Mias Couto (apesar de ele ter escrito alguma coisa a favor do Acordo) que determinam como a língua se escreve e não os políticos (alguns deles com cursos de Engenharia pouco claros). Legislar a língua não faz sentido, porque não vejo maneira de forçar a sua implementação. Passaremos a ir para a cadeia se escrevermos contra o Acordo Ortográfico? Seremos multados se publicarmos livros com ortografia contra o Acordo Ortográfico? Qual o interesse em legislar uma coisa que não se pode penalizar? Claro que se podem obrigar as escolas a utilizar a nova grafia, pois esses são os centros da ditadura de estado, encobertos com a capa da liberdade de educação (não nos esqueçamos que no sistema escolar obrigatório só chega ao fim quem disser exactamente aquilo que o estado quer que se diga, não há lugar para pensamento criativo ou autónomo).
2. Não se entende qual o interesse em uniformizar a grafia quando a semântica é muito diversa. Há palavras como "camisola", "sítio", "rapariga", "bicha", entre outras, que têm significados diferentes no Brasil e em Portugal. Isto sem mencionar palavras usadas em Angola, Guiné, Cabo Verde e Moçambique (onde nasci e vivi). Qual é o interesse em uniformizar a forma se os conteúdos são distintos? Os brasileiros querem vender livros em Angola e Moçambique escrevendo da mesma maneira mas usando palavras com significado diferente? Não faz o mínimo sentido. Além disso há termos que são mesmo completamente diferentes, como "terno" e "fato". Será que faz sentido obrigar toda a gente a escrever "terno" da mesma maneira e depois quando se manda um livro brasileiro para Moçambique ninguém sabe o que é "terno" porque lá todos utilizam "fato"? Há definitivamente um problema de lógica neste ponto.
3. A linguagem científica é de tal modo distinta que ninguém de nenhum lado a quer uniformizar. Eu sou Físico Médico, o que significa que trabalho com Física e com Medicina. Ora em Física nós utilizamos palavras como "electrão" e "protão" e no Brasil utilizam "eletrón" e "protón". São apenas dois exemplos porque existem dezenas de outros. Na Medicina então a diferença é maior ainda e nunca os nossos médicos irão utilizar a terminologia brasileira nem os médicos brasileiros irão utilizar a nossa terminologia. Foi dito que essas diferenças serão toleradas. Qual o interesse então, mais uma vez, em querer uniformizar a escrita da língua para os países africanos quando nem decidimos qual a terminologia que irão utilizar, se a portuguesa se a brasileira? A mim parece-me que isto é tudo uma manobra para algumas editoras brasileiras poderem passar a vender oficialmente os seus livros em África com o pretexto que estão escritos de uma maneira uniforme (apesar das diferenças abissais em centenas de palavras cruciais). Talvez o Mia Couto então se aperceba do disparate que defende. Irão os médicos moçambicanos mudar toda a sua terminologia anatómica da versão portuguesa para uma brasileira? E os físicos e engenheiros angolanos passar a utilizar os termos técnicos brasileiros depois de terem estudado em Portugal com termos técnicos portugueses?
4. Um Acordo que faz Portugal aproximar-se de uma das escritas do Brasil e permite que, por razões das variações locais da língua falada no Brasil, se continuem a aceitar escritas diferentes dentro do Brasil é algo que não faz sentido algum.
A comparação com o inglês é sempre interessante. Eu vivi na Inglaterra quase doze anos e reparei que os ingleses nunca se preocuparam se os americanos escreviam de forma diferente ou não. Para os ingleses o problema é dos americanos, não deles. Nunca foi por isso que a língua inglesa deixou de ter importância no mundo. As palavras escritas de forma diferente são incontáveis, como as terminações "...our " em Inglaterra e "...or" nos EUA (como, por exemplo, "colour" e "color"), as terminações em "...re" e em "...er" (como em "centre" e "center"). Os ingleses fazem a língua através da sua escrita forte, apesar de serem muito menos do que os americanos; fazem a sua cultura valer (nós "vendemos" a nossa cultura). Em Inglaterra e nos Estados Unidos a diferença de terminologia também existe e forte, como "luggage" e "baggage". E tenho muitas dúvidas com respeito ao castelhano. Já estive no Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Perú, Venezuela e os termos utilizados são por vezes tão distintos que não sei se a grafia será mesmo sempre a mesma. Contudo não é de certeza essa variação que diminui o valor e a difusão da língua castelhana.
Se queremos defender a nossa língua, o português, em toda a sua pluralidade de versões, portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, guineense ou caboverdiana, o que temos de fazer é incentivar a literatura de língua portuguesa, apoiar novos escritores, independemente do país de onde vierem, e não legislar a sua ortografia.
Mário Forjaz Secca"
Há cerca de 20 anos, fiz parte do Movimento Contra o Acordo Ortográfico, organizado através do Grémio Literário. Nesse grupo estavam o Vasco Graça Moura, o Manuel Villaverde Cabral, a Prof. Leonor Buescu, a Prof. Maria Helena Ureña Prieto e o actual Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna José Magalhães, entre outros. Depois de muita "guerra" pensávamos que as coisas tinham ficado de molho.
Muitos anos depois, um grupo de (des)iluminados volta à carga, obviamente por razões que não os interesses de quem fala o português. Interesses esses que na altura eram bem económicos e pouco disfarçados, ligados a grupos editoriais brasileiros, segundo se falava, e apoiados em grande parte por muitos amantes da informática, para os quais ter de escrever com acentos é uma "chatice" e só complica a utilização do computador. É o assustador lema de muitos tecnólogos: somos nós que nos devemos adaptar às máquinas e não as máquinas que se devem adaptar a nós.
Há algumas considerações que gostaria de adicionar aos já muitos argumentos que tenho ouvido:
1. Quem faz a língua são os escritores e não os políticos. São os Fernandos Pessoa, os Mários de Sá Carneiro, os Mias Couto (apesar de ele ter escrito alguma coisa a favor do Acordo) que determinam como a língua se escreve e não os políticos (alguns deles com cursos de Engenharia pouco claros). Legislar a língua não faz sentido, porque não vejo maneira de forçar a sua implementação. Passaremos a ir para a cadeia se escrevermos contra o Acordo Ortográfico? Seremos multados se publicarmos livros com ortografia contra o Acordo Ortográfico? Qual o interesse em legislar uma coisa que não se pode penalizar? Claro que se podem obrigar as escolas a utilizar a nova grafia, pois esses são os centros da ditadura de estado, encobertos com a capa da liberdade de educação (não nos esqueçamos que no sistema escolar obrigatório só chega ao fim quem disser exactamente aquilo que o estado quer que se diga, não há lugar para pensamento criativo ou autónomo).
2. Não se entende qual o interesse em uniformizar a grafia quando a semântica é muito diversa. Há palavras como "camisola", "sítio", "rapariga", "bicha", entre outras, que têm significados diferentes no Brasil e em Portugal. Isto sem mencionar palavras usadas em Angola, Guiné, Cabo Verde e Moçambique (onde nasci e vivi). Qual é o interesse em uniformizar a forma se os conteúdos são distintos? Os brasileiros querem vender livros em Angola e Moçambique escrevendo da mesma maneira mas usando palavras com significado diferente? Não faz o mínimo sentido. Além disso há termos que são mesmo completamente diferentes, como "terno" e "fato". Será que faz sentido obrigar toda a gente a escrever "terno" da mesma maneira e depois quando se manda um livro brasileiro para Moçambique ninguém sabe o que é "terno" porque lá todos utilizam "fato"? Há definitivamente um problema de lógica neste ponto.
3. A linguagem científica é de tal modo distinta que ninguém de nenhum lado a quer uniformizar. Eu sou Físico Médico, o que significa que trabalho com Física e com Medicina. Ora em Física nós utilizamos palavras como "electrão" e "protão" e no Brasil utilizam "eletrón" e "protón". São apenas dois exemplos porque existem dezenas de outros. Na Medicina então a diferença é maior ainda e nunca os nossos médicos irão utilizar a terminologia brasileira nem os médicos brasileiros irão utilizar a nossa terminologia. Foi dito que essas diferenças serão toleradas. Qual o interesse então, mais uma vez, em querer uniformizar a escrita da língua para os países africanos quando nem decidimos qual a terminologia que irão utilizar, se a portuguesa se a brasileira? A mim parece-me que isto é tudo uma manobra para algumas editoras brasileiras poderem passar a vender oficialmente os seus livros em África com o pretexto que estão escritos de uma maneira uniforme (apesar das diferenças abissais em centenas de palavras cruciais). Talvez o Mia Couto então se aperceba do disparate que defende. Irão os médicos moçambicanos mudar toda a sua terminologia anatómica da versão portuguesa para uma brasileira? E os físicos e engenheiros angolanos passar a utilizar os termos técnicos brasileiros depois de terem estudado em Portugal com termos técnicos portugueses?
4. Um Acordo que faz Portugal aproximar-se de uma das escritas do Brasil e permite que, por razões das variações locais da língua falada no Brasil, se continuem a aceitar escritas diferentes dentro do Brasil é algo que não faz sentido algum.
A comparação com o inglês é sempre interessante. Eu vivi na Inglaterra quase doze anos e reparei que os ingleses nunca se preocuparam se os americanos escreviam de forma diferente ou não. Para os ingleses o problema é dos americanos, não deles. Nunca foi por isso que a língua inglesa deixou de ter importância no mundo. As palavras escritas de forma diferente são incontáveis, como as terminações "...our " em Inglaterra e "...or" nos EUA (como, por exemplo, "colour" e "color"), as terminações em "...re" e em "...er" (como em "centre" e "center"). Os ingleses fazem a língua através da sua escrita forte, apesar de serem muito menos do que os americanos; fazem a sua cultura valer (nós "vendemos" a nossa cultura). Em Inglaterra e nos Estados Unidos a diferença de terminologia também existe e forte, como "luggage" e "baggage". E tenho muitas dúvidas com respeito ao castelhano. Já estive no Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Perú, Venezuela e os termos utilizados são por vezes tão distintos que não sei se a grafia será mesmo sempre a mesma. Contudo não é de certeza essa variação que diminui o valor e a difusão da língua castelhana.
Se queremos defender a nossa língua, o português, em toda a sua pluralidade de versões, portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, guineense ou caboverdiana, o que temos de fazer é incentivar a literatura de língua portuguesa, apoiar novos escritores, independemente do país de onde vierem, e não legislar a sua ortografia.
Mário Forjaz Secca"
Brilhante! Mesmo!!!
ResponderEliminarNem mais... infelizmente isto deve ter passado ao "lado" de algumas pessoas.
Absolutamente de acordo. Uma salva de palmas!
ResponderEliminarUm abraço
Querida amiga.
ResponderEliminarO senhor que governa a terra onde nasci, não passa dum autêntico ingrato. Ele esqueceu-se que tirou o curso de direito em 15 anos, dava tempo a eu tirar o meu curso 3 vezes. Eu tirei o meu curso médio em 3 anos, não andei em coyboyadas porque tive de pagar do meu bolso . Estudava e trabalhava ao mesmo tempo, enquanto esse senhor usou o dinheiro do erário público. Sou um pouco mais usado (não gosto da palavra velho ) que esse senhor, sei muito bem dar o valor a quem trabalha. Não fumo charutos cubanos e não chamo cubanos nem aos continentais nem aos próprios conterrâneos. Felizmente sei dar valor a quem trabalha com honestidade e força de vontade. Vou dizer-te uma coisa que tenho a certeza que esse senhor não era capaz de fazer; Construí a minha casa, cerca de 60% com as minhas próprias mãos e a ajuda preciosa de minha mulher e meus dois filhos, então de tenra idade. A eles o meu eterno agradecimento. Quando morrer isto é deles porque também foram sacrificados pela falta de atenção que lhes podia ter dado. Há um ditado que talvez já tenhas ouvido:- Feliz o reinado cujo rei reconhece seus erros. É bom verificar que nem sempre possamos dizer aquilo que sentimos, mas eu não tenho vergonha do meu passado. Ainda hoje tenho na Madeira alguns professores que muito bons conselhos me deram. Cito o ExmºDr. Izequiel Castanheira e o Professor Fernando Ferreira que já atingiram a proveta idade superior dos 80 anos. Aos dois a minha eterna gratidão. Recebe um beijinho deste "Kota" João
Amigo João,
ResponderEliminarEu compreendo que a sua vida foi extremamente dificil, e como a sua o meu avô também passou pelo mesmo. Todavia há que reconhecer certas coisas que o Dr. Alberto João Jardim conseguiu... Não foram os continentais que chegaram à Madeira e melhorar a Madeira, não foram os outros que vieram para a Madeira construir o que temos... Não foram eles... Olhe-se para os Açores em que diversas zonas são atrasadas, em que o "campo" e a cidade apresentam diferenças nas pessoas...
Hoje por tudo o que o Dr. Alberto João Jardim fez vive-se numa ilha melhor, num local melhor... Aqui pode-se viver bem, não existe diferenças entre as pessoas do campo e da cidade... A Madeira está mais unificada, todos tem acesso à escola, às universidades... Pode-se chegar a qualquer parte da ilha em pouco tempo...
Imagine o que era as pessoas da Ribeira Brava que demoravam horas e horas para poder ter acesso a um Centro de Saúde ou de cuidados hospitalares. Hoje pelas vias rápidas consegue-se chegar em 15 minutos. Isto é obra do Dr. Alberto João Jardim.
O Dr. Alberto João Jardim é um homem, e por ser Homem tem os seus defeitos, mas quem não tem? "Atire a primeira pedra..."
Ele sacrificou a sua carreira política no continente, pelos Madeirenses... A ele, eu devo o densenvolvimento da Madeira!
Os melhores cumprimentos
O reboliço do Acordo Ortográfico tem o poder de me deixar perplexa. Só tenho pena de ainda não ter podido opinar com vagar. Mas vejamos: será que evolução da língua (em que as palavras são introduzidas segundo um contexto e gradualmente) é o mesmo que decepar o português de Portugal? Sim, de Portugal. E não me venham com o colonialismo, que para isto Fernando Pessoa tem as palavras certas. «A minha pátria é a língua portuguesa». E isto não pressupõe uniformização. Tenho dito.
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