quinta-feira, 20 de março de 2014

"Isto não é coragem, será sim, em muitos casos, falta de lealdade."

""Bater no ceguinho

Uma pessoa que andou a vida toda a dizer o que pensa - mais certo, mais errado, ao lado, a reconhecer que às vezes não teve razão, na mouche, mas sempre de forma pessoalmente desinteressada - fica desconcertada com as opiniões que agora pululam por aí. Onde andaram até hoje?

Passou-se de um extremo ao outro em três tempos. Ora, se até há uns anos era impensável alguém ousar apontar o dedo às más opções governativas regionais, se tudo, para além da crítica velada e bilhardada, ficava confinado a uma oposição e comunicação social de imediato conotada a uma esquerda estalinista, hoje está na moda “bater no ceguinho”.

Muito bem, dirão alguns. Antes tarde que nunca, atirarão outros. As opiniões não têm de ser imutáveis toda uma vida, é certo. Mas onde andavam estes opositores internos? Levaram uma vida de espera? Deixaram o ceguinho chocar de frente com um comboio de dívida em andamento, em silêncio. Calaram perante a teimosia e vergaram perante a represália, quando a única hipótese era mudar por dentro. No meio disto, beneficiaram enquanto lhes foi conveniente, deram palmadas nas costas e fizeram coro na hora de atacar os que pensavam diferente.

Hoje, estão aí de peito cheio de aparente coragem. Mas coragem era outra coisa. Não era levar uma vida à espera da sua vez, era dar o corpo às balas, quando era difícil. Não é agora que o ceguinho vai agarrado, preso por uma mão, ao comboio que o atropelou. Hoje é fácil.

Isto não é coragem, será sim, em muitos casos, falta de lealdade. Não que tenha pena do velho e rezingão, que foi cego apenas por se recusar a ver. Fez o seu caminho e agora tem a resposta dos que moldou à sua imagem e semelhança.

Que digam agora tudo o que lhes doeu na alma estes anos, mas que não se esqueçam de mostrar o que vão fazer diferente e como vão resolver o problema que por actos, palavras e omissões ajudaram a engrandecer. Podem continuar a bater no ceguinho, mas, para mim, já vêm tarde. O povo está farto deste Ensaio sobre a Cegueira e não quer saber dos corajosos que se acotovelam na hora da sucessão, nem dos ansiosos por mudar qualquer coisa, para que tudo fique na mesma."

Sandra Cardoso - Diário de Notícias

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