quinta-feira, 14 de setembro de 2017

OS FILHOS QUE EMIGRAM PARA LÁ’LÉM


Esta semana não podia deixar de partilhar como foi a minha chegada e inscrição na universidade. Por esta altura do calendário escolar, no ano da graça de 2004, chego eu a Lisboa, ia com o meu tio Paulo e o amigo Ruy. O meu tio ia verificar como estava o seu pós-cirúrgico e o Ruy acompanhava-o. Eu, por minha parte, ou coincidência das coisas, ia no mesmo dia para o Monte da Caparica fazer matrícula na FCT-UNL. Ao lá chegar, procuro uma senha para a inscrição no Edifício VII, mas já não existia, na entrada, recordo-me perfeitamente, estava o João Pina, tinha na altura um cargo qualquer na Associação, talvez fosse o Presidente. Ele, ao aperceber-se que eu era madeirense, conseguiu arranjar-me uma senha para ser atendido no dia. Aí fiquei impressionado pela sua simpatia, mas também por ter sido o único continental que a conseguir imitar na perfeição um madeirense.

Enquanto esperava, passaram uns veteranos, trajados e lá comecei a ser praxado. Não foi nada de extraordinário, mas mal entenderam que eu era madeirense, lá tive que dançar o bailinho da Madeira. Penso que até hoje deve ter ficado na memória de todos aqueles que assistiam, fui brilhante ou não.

Como o Miguel já se tinha comprometido a emprestar-me a sua casa na Costa de Caparica, já estava tranquilo em relação a uma das tarefas mais complexas, o encontrar casa numa época em que estão todas a balúrdios, por isso, com calma, iria encontrar outro lugar.

Os desafios que tive foram os de qualquer jovem insular, apesar de já conhecer o continente, entrava numa nova etapa da vida, pois com 18 anos, nunca tinha sido militar, apesar de, na época, ainda ser obrigatório (era o último ano). Esta etapa foi crescer e crescer muito, para orientar-me, fazer a vida de casa, colocar a roupa na máquina de lavar, estender a roupa, engomar e cozinhar. Eu, que à época, nem um ovo tinha estrelado na vida.

Primeiros dias a cozinhar, tornei-me um mestre em vários pratos, mas o meu favorito: massa com atum e maionese. Que delicia, hoje em dia ainda faço só para recordar. Ah… é verdade… Acha que eu passei muitas vezes a ferro?… Fiz uma seleção da roupa e só usava a roupa que não era necessário passar a ferro. Nestes dias, a diferença cultural foi grande, pois, para quem conhece a Costa e utiliza TST (transportes sul do Tejo), só se viam brasileiros e pessoas de origem dos PALOP, para um madeirense, apesar de lidar com o cosmopolitismo, esta multiculturalidade era uma experiência interessante por ser na nossa língua. Tinha de apanhar dois autocarros, bem velhos, um vinha da Trafaria para a Costa e outro da Costa para o Monte, se bem me recordo era o 128. Acreditam que uma vez, num sábado, ia fazer um exame na faculdade e o autocarro avariou-se pelo caminho, começou a deitar fumo dentro e a cair peças… Era com cada coisa…

Para um estudante “emigrado”, os problemas que tinha passam a secundários, os principais passam a ser a gestão do orçamento “familiar”. É muito fácil fazer amigos, nomeadamente que também estão “emigrados”, e estes são para o resto das nossas vidas, sei que só passaram 13 anos, mas continuam sempre presentes, tais com o Samuel, o Jorge, o Daniel e os outros todos que uma folha não daria aqui a enumera-los. O Samuel da Miuzela, com aquela sotaque que mais parecia um carregado da Guarda, era mais ou tão alvo de brincadeiras pelo sotaque como eu, já o Jorge de Leiria, sem qualquer sotaque e até bem integrado, mas também longe da família, finalmente o Daniel de Viseu, algo tímido e com dificuldade nas palavras com um início em a, tais como “a água”, decantadas em ditongo “ai água”.

A verdade é que passaram 13 anos, e continuo a recordar estes tempos como uns tempos de aventura, de descobrimento, mas essencialmente de grande crescimento. Hoje, já pai, às vezes coloco-me a pensar nos medos que terei daqui a 16 anos quando o meu filho “emigrar”. Ah… falta falar de um assunto que me toca e muito, as viagens aéreas, não pensem que não eram um problema, porque era. Na época não havia liberalização e pagávamos, sempre 170 e poucos euros, mas, para isso, precisávamos de ter os papelinhos carimbados pela faculdade, se não pagávamos 200 e muitos euros. Hoje está melhor, mas continua a ser mau. Se calhar nessa altura havia maior segurança na garantia de lugares nestas épocas altas como a entrada na universidade e o natal. Só pode haver uma solução, a insularidade não pode ser motivo de ficar longe da sua terra, nem que seja preciso contratar charters, já diria o Futre!

Publicado no JM-Madeira

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