quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Francisco Sá Carneiro faz hoje 33 anos o atentado que atrasou Portugal


"Pedem-me que faça "história virtual" a propósito da morte de Francisco Sá Carneiro. Há um livro de Niall Ferguson onde o método é explicado. Mas ainda sem esse nome, a "história virtual" esteve sempre implícita nos lamentos sobre o desaparecimento de Sá Carneiro. Por exemplo, no que Cavaco Silva escreveu em Outubro de 1981 "Sá Carneiro morreu, e a sua morte modificou profundamente a vida portuguesa em vários domínios, incluindo o económico e o social." Que poderia ter sido Portugal com Sá Carneiro? Atendendo ao percurso de Sá Carneiro, Portugal teria sido certamente um país mais agitado na década de 1980, mas provavelmente mais calmo hoje.
Comecemos pela primeira hipótese. Sá Carneiro tinha prometido abandonar a chefia do Governo, caso o general Eanes fosse reeleito Presidente da República em Dezembro de 1980. Fora do governo, poder-se-ia ter encontrado, mais uma vez, em ruptura com os outros dirigentes do PSD, aos quais nunca agradou o seu estilo intempestivo de liderança e em particular a sua cisma anti-eanista. O Prof. Freitas do Amaral revelou que Sá Carneiro previa formar um novo partido, unindo as bases do PSD e os líderes do CDS. Quase de certeza, teria sido uma pedra no caminho dos acordos e arranjos que, a partir de 1980, foram reduzindo a política portuguesa a um negócio de bastidores. Talvez a crise de 1983-1984 tivesse servido a Sá Carneiro para regressar em força ao poder. Tentaria a sorte nas eleições presidenciais de 1986? Quem teria ganho, se o candidato de esquerda tivesse sido Mário Soares? Atingimos aí os limites da especulação controlada.
Como teria a agitação sá-carneirista influenciado o desenvolvimento de Portugal? As revisões constitucionais (1982 e 1989) e a integração na Comunidade Europeia (1986) puseram fim à tutela da esquerda militar, libertaram a iniciativa privada, e fizeram o país adoptar os padrões da Europa ocidental. Tudo isso eram objectivos de Sá Carneiro - objectivos que, aliás, assumiu mais cedo e mais frontalmente do que a restante classe política. Não será descabido pensar que ele os teria continuado a conceber com mais audácia.
Sá Carneiro nunca teve medo de dizer o impensável e o inconveniente. Em 1969, foi "liberal" quando, para a direita, isso era tão absurdo como ser hoje marxista; em 1975, foi "social-democrata", quando, para a esquerda, isso era tão odioso como ser hoje liberal. É provável que num clima ideológico mudado, como foi o da década de 1980, quando Thatcher e Reagan se tornaram a referência de novas políticas, a ousadia e a própria lógica da bipolarização o tivessem levado a aprofundar a ideia de autonomia da sociedade civil, e a ideia conexa de reforço da autoridade do Estado por via democrática. Quase de certeza, teria procurado fazer corresponder os seus projectos a um movimento de opinião pública. Aliás, o que destacou Sá Carneiro na política portuguesa foi o poder, em contextos institucionais que lhe eram profundamente adversos, de suscitar expectativas e entusiasmos. Em 1980, para realizar a revisão constitucional, sugeriu a via do referendo, em vez dos acordos parlamentares. A "bipolarização" que defendeu não consistia apenas na existência de dois partidos grandes, mas de dois movimentos políticos capazes de assumir escolhas diferentes no âmbito do regime democrático. Muito provavelmente, as chamadas "reformas estruturais" teriam sido avançadas por Sá Carneiro no quadro do confronto democrático entre "modelos de sociedade", e não através de consensos espartilhados por directivas internacionais.
O que é que poderia, assim, ter sido diferente? Talvez que a causa das reformas tivesse tido a seu favor, não apenas a opinião e a competência de uma minoria de secretários de estado e de comentadores de jornais, mas um verdadeiro movimento cívico de pressão, levantado em nome de princípios e valores, e capaz de contrabalançar a inércia burocrática e a reacção dos bem-instalados.
Teria sido possível, dessa maneira, ir mais longe na criação em Portugal de um ambiente favorável à inovação e ao risco? Ter-se-ia desenvolvido um sistema político mais capaz de gerar alternativas, e mobilizar vontades? Nesse caso, talvez a sociedade portuguesa estivesse hoje disposta a encarar a chamada "globalização" com mais confiança e serenidade. O caminho era estreito. Não é certo que Sá Carneiro tivesse encontrado maiorias para o acompanhar em tudo. Mas ele não teria deixado de esgotar as possibilidades. Foi sempre assim nos anos em que fez vida política, desde 1969.
Ninguém faz a história sozinho. São precisas ideias, recursos e pessoas. Mas as coisas não acontecem necessariamente, nem acontecem por si. Invariavelmente, líderes como Sá Carneiro foram essenciais para transformar uma possibilidade num acontecimento. Até um marxista como Trotsky reconheceu isso. É esse factor individual e contingente que faz da história uma coisa imprevisível. E, por vezes, trágica."


É uma questão que deixo a todos para reflectir: como seria Portugal, se Francisco Sá Carneiro não tivesse sido assassinado?

Sem comentários:

Enviar um comentário

O blogue Madeira Minha Vida não é responsável pelos comentários reproduzidos no blogue.
Cada comentário é da responsabilidade de quem o redige.

Comente com ponderação!